sábado, 25 de agosto de 2012

Superficial

Faço passar a mesma linha pela agulha e encosto a camisola inacabada junto ao peito e há quem tropece em novos novelos de lã. Impunemente. Porque impune é a vida. Vivemos todos impunemente até ao dia em que nos são cobradas as respectivas dívidas. Eu que afinal não falhei tinha aqui as agulhas pousadas. Dentro da minha casa, que é pequena, um imenso espaço ocupado. É preciso esvaziar e romper. E não ouvir, sobretudo, o som das agulhas, sozinhas, a construirem uma camisola de nadas. Como se fosse tão simples existirem novelos de lã, de outras cores, a rolarem pelo corredor, a entrarem na vida. Como se isso não fosse algo inteiramente novo. Nada assim tão nobre. Apenas o mais vulgar de nos enchermos de um riso alheio e superficial. E as minhas agulhas, compridas e finas, que puxam os fios directamente do coração. Essas minhas agulhas, tontas e ingénuas, a tricotarem, sozinhas, novelos cheios de nós.

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