segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Traças

Ontem estendia a roupa na corda, o meu amor em fogo lento era como um crepitar: Primavera em pleno Inverno. Ontem o miúdo abria prendas havia sonhos e projectos e por três ou quatro dias houve janelas novas em casas arruínadas. Devíamos saber. Nós já devíamos saber que somos da raça dos vendavais que somos das rugas junto aos olhos porque estamos sempre a rir, porque nos habituámos à desgraça. Houve sempre corpos no chão? Mas ontem os meus amigos tinham sonhos e não uma eternidade para recordar e chorar e na nossa mesa de repente já faltam tantos. Pior: faltam os livres. Os que nos faziam pensar que se eles conseguem nós vamos atrás. Os que viviam sem rédeas. E nós, como traças. Agora, que se apaga a luz, que ontem é já outra vida (outra vida), que olhamos para trás e começamos a ter medo. E temos esta pena tamanha. E esta revolta. E mesmo raiva. Digo raiva. Perdoa-me porque me apetece bater com portas, atirar com coisas ao chão. Descculpa não ter lágrimas, não existir nó, não conseguir ficar triste. Estou em brasa, um fogo que me queima os braços, por isso ando dobrada. Estou cansada. Durmo com o coração torto e tenho mil mortos a inundarem-me os sonhos.
A pouco e pouco, os melhores, vão ficando do lado de lá. E nós cá. Como traças. Havemos de chorar e de contar as mesmas histórias vezes sem conta. Não haverá novas histórias. Ontem éramos todos tão novos. Ontem éramos tantos.

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