sexta-feira, 6 de julho de 2012

Mergulho

Enquanto uma de mim está sentada, a outra levanta-se e rega as plantas, corre atrasada, faz telefonemas, enche sacos no supermercado, junta palavras que são importantes e necessárias. Dizem eles. A outra de mim vai sempre mais devagar e parece-lhe tudo muito vago. Traz uns óculos escuros muito grandes e um lenço de cor indefinida que é imune ao calor aos meses ao tempo que agora é este. Tem um ar incrédulo enquanto vê a outra de mim continuar. Não está à espera de nada mas espera tudo. É a única que sabe a verdadeira contagem do relógio, é a única que conhece o caminho que não está a ser feito. Sentada que está, também se levanta e às vezes vai com a outra de mim. Tem de ser. Fica sempre um passo atrás, a assistir. E tudo lhe parece irreal. Não é. Chegará o tempo em que se encontrarão e talvez um abraço e talvez nada. Espero que aconteça durante um mergulho, à sombra de uma árvore, que haja em todo esse momento o esquecimento necessário para não existir memória do encontro. Chama-se cura e nunca sabemos quando acontece. Melhor assim.

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