sexta-feira, 2 de março de 2012

Mãe

E tu não vieste. Como é que foste capaz de não vir? Eram os brinquedos, os meus brinquedos todos e o meu coração inteiro enfiados em dois sacos de plástico verde. Como é que foste capaz de me deixar sentada numa pedra fria hora após hora, eu vi o céu e era azul e ficou escuro. Tu não vieste. Contei os carros, foram quase cem. Não estavas em nenhum deles. Contei os dias segunda terça quarta quinta sexta sábado segunda terça quarta quinta sexta sábado eram muitos muitos dias, eram meses, era a minha vida inteira e tu não sabias. Por que é que não perguntaste? E, depois, quando soubeste, pediste desculpa. Pediste-me desculpa. E eu que te amava tanto que te amava acima de tudo de todas as coisas que rezava na Igreja vê lá tu eu rezava o terço porque me tinham dito que as meninas que rezavam que às pessoas boas, que a fé move montanhas que a bondade te poderia trazer. Eu acreditava em recompensas. E tu não vieste. E pediste desculpa, acendeste um cigarro como se nada fosse e eu que te amava tanto que continuei a amar-te, mas nunca mais, percebes, nunca mais te perdoei. Não te peço desculpa por não te ter perdoado. Sabes porquê? Porque tu estás em todos os minutos em que não vieste, em todos os sacos que desfiz, estás no meu coração quebrado irremediavelmente. Nem venhas, não, não venhas agora com razões justificações entendimentos desentendimentos tu não vieste muitas outras vezes. E eu esperei. Eu esperei e gastarei todas as palavras que existem, as pensadas, as ditas, as imaginadas e ainda assim não conseguirei calcular dizer vomitar gritar-te o tempo que esperei. Por isso é que quando enfim vieste, não te reconheci. Era noite, sabias? Fizeste a noite em mim. Por causa de te ter esperado tanto, não sei esperar. Ou acreditar que não vai ser sempre assim.

6 comentários:

  1. do mais triste q pode acontecer a uma criança. é por isso que queria ter uma casa cheia delas.

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  2. contagiaste-me com a esperança, com a ansiedade e depois com a desilusão e a mágoa

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  3. Não sei o que dizer. Mas obrigada. Ás vezes, só não sei o que dizer.

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  4. olha, sabes qual foi o problema? não contaste o Domingo....lolol estou a brincar! existem caminhos que não tem volta e rasgões que nunca poderão ser remendados....nem pela melhor das costureiras :(
    o que me sufoca é exactamente isto: há coisas, haverá sempre coisas que por muito que nós próprios queiramos...nunca conseguiremos ultrapassar.....e a dor de saber isto dói muito mais que qualquer desilusão.
    Ass. Filha do Diabo

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  5. É que nem precisei de chegar ao fim para para saber que eras tu. Pá, valham-nos os cigarros de eucalipto e as motas do outro lado da janela. Não me lembro só do mau :) Já me fizeste rir. E não, há coisas que não podes, de facto, ultrapassar.

    Ass.: E vai no sapatinho vai... :)

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  6. epá, os cigarros de eucalipto...enrolados em papel vegetal que nós nem sabíamos o que eram murtalhas!
    E as motas...e os tractores com tomate! E as pêras! Sim. Foi à nossa maneira. Houve e haverá, com certeza, bem piores.

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