quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Contas mal feitas

Quando o meu vizinho de cima se matou e depois o filho mais velho até que, por fim, se matou também o mais novo, não perdoei a nenhum. Quer dizer, nada havia a perdoar, mas achei estúpida essa morte assim marcada de corda e veneno. Explico: esse desistir da vida, das mãos dela, dos olhos dos miúdos, do candeeiro aceso à noite e do cheiro do after-chave. Lançar-se para o infinito pela única razão em que não acredito: o dinheiro, ou a falta dele. Esta vergonha que assaltou as pessoas. Percebo a desistência de quem já não tem com que alimentar a criança, posso ceder na consciência de quem por causa de uma empresa que fecha atira para a miséria dezenas de famílias. Percebo, mas ainda assim, engulo mal, engulo a seco. A vida ainda vale mais do que o dinheiro o carro que já não se tem as casas que se perderam. Matou-se, coitado, tinha vergonha. Vergonha do quê exactamente? De ter ficado a dever? Que se matem, que desistam, que digam pronto isto para mim acaba aqui e ponto final. Matem-se por amor ou desamor, pela perda, porque se fazem contas à vida e entretanto este lado não ganha. Que nessas contas não entre o dinheiro a fortuna arruinada impérios vãos. Vergonha é quem se mata porque não quer ser pobre. Não faminto, mas pobre.

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