terça-feira, 23 de agosto de 2011

Gare do Oriente

Na saída do hipermercado havia o mundo inteiro da tua ausência. Lá dentro, luzes. Cá fora, a imensidão desse cinzento que sempre me incomodou. Na Gare do Oriente encontrámo-nos depois de tantos meses, demos abraços, beijos, contámos segredos, quase chorámos. Vi-te envelhecer nessa estação. Rimos tanto. Carrregámos sacos, ajudámos a avó a subir as escadas. Ali esperei-te tantas e tantas vezes. E perdi-te.
Ontem, ao sair do hipermercado, lembrei-me. Tínha esquecido o desamparo e a confusão que me entontecem por não ter um lugar que te recorde. Estou tão longe da casa. Já não existe casa.
Decidi ficar. De pé, no meio de uma praça escura a olhar para todos os lugares que olhaste, a querer saber de ti, a sentir não só o vazio de te ter perdido, como a desolação de não existir um lugar no mundo onde te possa recordar.
A nossa casa, a casa onde cresci. As tuas coisas. A avenida, a rua, o prédio, a cama, os livros, a escrivaninha, o candeeiro da sala e o tapete. De um dia para o outro tudo desapareceu, como se a tua morte tivesse decidido o fim de uma cidade. Mas, ontem, no meio do lugar cinzento onde te ia buscar, onde fui às vezes estúpida, ingrata e impaciente, naquele lugar que são os teus olhos castanhos, encontrei-te, Pai.
Cá em baixo, o snack-bar onde chegámos a almoçar. Lá em cima as bilheteiras. Lá fora o passeio imenso. Julguei ver os teus passos. Quis chamar-te bem alto. Quis dizer-te qualquer coisa. O chão cinzento e o céu cinzento. Foi tanta a falta de ti Pai. Tão triste estares aqui, neste sítio de Chegadas e Partidas e saber que já não vais chegar.

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